O livro


PREFÁCIO

                Nunca foi tão difícil ser Pai!
                Hoje, os pais questionam-se, são questionados, têm dúvidas profundas quanto à sua actuação, vêem-se alvo de dúvidas nos olhos dos outros pais, das instituições, dos técnicos...
                Hoje, os pais têm dificuldade em sentirem-se confortáveis no seu papel. Presos entre a pressão da obrigatoriedade de um desempenho imaculado e a crítica afiada de uma sociedade muito lesta e sempre pronta a apontar o dedo acusador, hoje, os pais tendem a sentir-se culpados. Podem nem saber de quê, mas sentem-se culpados.
                Antes, ser pai era algo visto como natural, tão natural que não suscitava a atenção nem científica nem social. Se se falava de educação era para discutir o grau de disciplina adequado e formativo a aplicar e, na maior parte das vezes, para o correlacionar com a moral e o respeito pelos bons costumes. Ser bom pai era garantir que os filhos não sairiam dos eixos, que se tornariam pessoas honestas, bons trabalhadores, que constituiriam família e que, por sua vez, garantiriam a reprodução dessa mesma receita, cumprindo o seu papel natural de pais.
              Hoje, abre-se um jornal ou uma revista ao pequeno-almoço e lá está um especialista a dizer-nos: «Os pais têm de…», «os pais devem…»; à mesa do restaurante escutamos o empregado: «Isto está cada vez pior… e a culpa é dos paizinhos que não sabem educar os filhos…»; à tarde, liga-se a rádio no carro e lá está um cronista que, do alto da sua cátedra, nos expõe: «Os pais é que têm a culpa...», «os pais não sabem…»; por fim, em casa, surge na televisão alguém que, seguro da sua sapiência (tantas vezes balofa e quase sempre não acompanhada de uma reflexão intelectualmente honesta e fundamentada, e que produza não conselhos mas ferramentas reais de trabalho para ajudar efectivamente os pais a serem melhores pais), afirma peremptório: «Ser bom pai é…», «há bons e maus pais, sendo que os bons são os que fazem como eu digo». E esses falantes não têm de ser sequer psicólogos ou pedagogos realmente especializados e experientes na área. Para falar de educação qualquer um se sente habilitado. Não interessa se é jurista, sapateiro ou astronauta. Todos parecem saber o suficiente e sentir-se suficientemente habilitados para nos acusar de má prática, irresponsa-bilidade ou incompetência, no desempenho das nossas funções.
                Todos discorrem sobre o segredo para se ser um pai «como deve ser». E quase nunca corresponde à forma como somos ou nos vemos como pais. «Bolas! Que raio de pais somos nós?!», pensamos, enquanto tentamos engolir a secura que teima em não passar na garganta.
                À hora de deitar, já não há comprimidos que ajudem a aplacar a angústia que nos morde o estômago e mói o cérebro.
                Hoje, ser pai passa por um escrutínio permanente e maldisposto, demasiado escolar, no pior sentido do termo – não na sua componente pedagógica e formativa, mas enquanto acto fiscalizador do erro e penalizador do mau aluno. De facto, nunca houve tantas publicações especializadas, tantos livros e teses editados, tantas horas de programação rádio e televisiva dedicados ao exercício da paternidade/maternidade e à educação dos filhos.
                Antes, se um pai decidisse «Não podes ir à discoteca!», provavel-mente iria deitar-se sem pensar mais no assunto.
                Hoje, pergunta-se se não estará a ser demasiado severo ou se essa privação não marcará negativa e definitivamente a personalidade dos seus filhos; pergunta ao amigo o que é que ele pensa da sua decisão ou como é que ele faria se estivesse no seu lugar; questiona-se sobre que avaliação lhe daria o especialista que escreve os livros que ensinam a ser pai; e, por fim, desesperado e já deitado no divã, pergunta ao psicólogo: «Acha que fiz bem? É que não foi por mal…», como se necessitasse de uma absolvição por um pecado mortal.
                Antes, ser pai era pouco mais do que seguir e replicar o que os nossos pais fizeram. É o desejado? Obviamente que não e obviamente que ser pai implica muito mais do que isso. Mas hoje, ser pai tornou-se num constante correr atrás do progresso, num esforço de actualização e de modernização semelhante à tirania comercial dos gadgets tecnológicos: «Não me diga que ainda não tem i-pad, i-pod, 4G ou o XPTO qualquer coisa?» Esta sensação de estar aquém, a sensação de não ter ou ser o que se devia, a sensação de estar a perder o comboio, pode ser devastadora e geradora de (ainda mais) stress. «Não me diga que ainda não usa a forma X com os seus filhos?», «Não acredito que não tenha lido o livro do Dr. Ipsilon que ensina a dar abraços aos filhos, três vezes ao dia, meia hora antes das principais refeições?»
                Antes, se os nossos pais fossem chamados à escola era porque algo de muito mau teria acontecido. Antes, os filhos podiam passar pela escolaridade obrigatória sem que os pais conhecessem os seus professores ou sequer passassem pelas instalações da escola. É o desejado? Obviamente que não e obviamente que ser pai implica muito mais do que isso. Mas hoje, se um pai não pode ir à escola, se não participa nas actividades que outros definiram e decidiram como importantes para o desenvolvimento dos seus filhos, se não ajuda nos trabalhos de casa (mesmo que exagerados, mal-definidos, fora de tempo ou simplesmente inadequados e sem fundamento científico ou pedagógico), se não colabora com os professores na correcção de um mau comportamento por estes detectado, se não se assume como responsável directo pela manifestação desse tal comportamento e aceita os açoites (na maior parte das vezes públicos) que merece levar…, então não é, definitivamente, bom pai: ou é incompetente ou é malformado!
                Daqui à «selecção medicamente assistida» de quem pode ou não ser pai (a realizar de preferência no início da puberdade, não vá o diabo tecê-      -las!), parece que vai apenas um pequeno passo. E depois virão as «casas de correcção para pais», os «programas de recuperação» e as «famílias de acolhimento» onde se aprende e reaprende a ser pai; virão os «cursos de nível 1, nível 2 e nível 3», conforme se pretender ser pai de um, dois ou mais filhos e onde se certifica a competência parental adquirida e, sem a qual, devidamente carimbada por um fiscal dos bons costumes, estaremos proibidos de exercer funções.
                Brincadeiras à parte, parece-me que, se de facto, queremos ajudar os pais a responder melhor à multiplicidade de desafios, de exigências, de tarefas e de dúvidas com que são confrontados hoje, o caminho será mais pelo lado da escuta empática dos seus problemas, pelo suporte emocional à definição do caminho a percorrer, pelo convite à reflexão construtiva na procura de respostas alternativas, pelo fornecimento de instrumentos, estratégias e ferramentas práticas que possam ser apropriadas e transpostas para o seu quotidiano e para a sua relação específica.
                Que os pais necessitem de ajuda, parece natural. Pelo menos alguns deles. Que ser pai se tornou um grande e permanente desafio que por vezes nos consome (a uns mais do que a outros), também me parece perfeitamente aceitável. Já outra coisa será partir do pressuposto que somos pais incompetentes ou que pertencemos a uma geração que, por questões genéticas ou de má fermentação, saiu mal cozida do forno. O que, em meu entender, haverá sempre são aspectos a melhorar, conhecimentos a adquirir, comportamentos a repensar e reorientar, opções a reflectir… numa palavra, haverá sempre algo a aprender, não no sentido de uma lacuna a preencher, mas sim no sentido do desenvolvimento pessoal e parental.
                Aprende-se a ser pai, sendo, mas ajuda se reflectirmos sobre isso e partilharmos as nossas reflexões. É o que se pretende com este livro.